

O Time do Camburão
Abatido psicologicamente com a venda da histórica sede de General Severiano para a Vale do Rio Doce, em 1976, o Botafogo chegou ao ano da graça de 1977 carecido de afirmação. O que fazer diante da verdadeira catástrofe que se abatera sobre o clube? Marechal Hermes, com todo o respeito, assemelhava-se a um desterro ou degredo. Suas arquibancadas de madeira, sustentadas por complicada trapizonga tubular, não atraíam o torcedor, que se sentia psicologicamente arrasado. Pode-se dizer que os eternos inimigos do glorioso alvinegro babavam de satisfação e alegria. Para completar o quadro de indigência, a pensão de dona Carlota, nas proximidades do novo estádio, não recebia pela comida que fornecia.
Diante do quadro desolador, o presidente Charles Borer (1929-2001) tentou reverter o quadro de decrepitude reforçando o elenco. O fato é que, trocando e comprando, de repente o Botafogo viu-se transformado numa espécie de refúgio de jogadores talentosos, famosos e problemáticos misturados aos poucos que as divisões de base tinham revelado. Como num passe de mágica, de uma hora para outra passaram a desfilar com a camisa da Estrela Solitária nada menos do que Perivaldo, Manfrini, Mário Sérgio, Renê, Rodrigues Neto, Gil, Dé, Ubirajara Alcântara e Paulo César Lima, que se juntaram a Osmar, Ademir Vicente, Luisinho Rangel, Bráulio e outros.
Foi então que num belo domingo de sol e clássico no Maracanã, o repórter-radiofônico Deni Menezes encontrava-se à espera do ônibus que conduzia a delegação alvinegra. Dotado de rara sensibilidade e extrema ironia, Deni, em determinado momento, abriu o microfone e chamou o comando da jornada esportiva:
– Atenção, José Carlos: acaba de chegar ao Maracanã o Time do Camburão…
Pelo que me recordo, a Rádio Nacional quase saiu do ar, tantas as gargalhadas que a informação provocou. Hoje, vários anos passados, a espirituosa rapaziada que integra as transmissões de futebol ainda tem dúvidas: qual terá sido a melhor invenção de Denis Menezes? O Time do Camburão ou Zandonaide, o Garoto do Caramanchão?
É possível que atualmente a realidade tenha se misturado ao folclore e nem mesmo os mais apaixonados torcedores do Botafogo saibam a verdadeira e histórica formação do autêntico Time do Camburão (na foto, uma das escalações do Camburão). É provável que os mais bem dotados de memória escalem a equipe com Zé Carlos, Perivaldo da Pituba, Osmar, Renê e Rodrigues Neto; Luisinho Rangel, Manfrini e Paulo César; Gil, Dé e Mário Sérgio. Na verdade, a essa altura do campeonato o que importa não é exatamente o fato e sim a versão do fato. E O Time do Camburão passou a integrar o a história do Maracanã como aquele que reuniu o maior número de nômades que o futebol brasileiro tem notícia. Pelo menos até os dias atuais.
Quando a situação parecia incontornável, Charles Borer decidiu enquadrar o Time do Camburão. Simplesmente contratou o delegado Luiz Mariano, ex-São Cristóvão, para técnico, e nada menos do que o Homem de Ouro Hélio Vígio para preparador físico. Mas o panorama não mudou. Os jogadores, alegres e eternamente bem-humorados, porque o presidente passou a lhes pagar em dia os salários, acabaram atraindo os dois integrantes da então feroz polícia civil carioca para seu lado. Os treinos em Marechal Hermes eram uma festa. E como os repórteres consagrados lá não tinham coragem de aparecer, só os mais jovens e estagiários levavam as notícias para as redações ou as transmitiam, sussurrando, por telefone. Informação virou sinônimo de delação.
Mas, a rigor, o que fez de notório o Time do Camburão?
Ao que consta, nada de mais. Pelo que estou informado, os ânimos só ficavam ligeiramente exaltados nas enfadonhas viagens de ônibus para Campos e Volta Redonda. Para matar o tempo, única e exclusivamente o tempo, é bom que se frise, alguns jogadores viajavam armados. E tal qual nos filmes de caubói do cinema americano, quando a caravana alvinegra passava por uma pequena cidade, da janela do coletivo os jogadores disparavam seus trabucos para o alto, numa espécie de saudação às comunidades.
Qualquer semelhança com os homens do faroeste americano, Jesse James (1847-1882), Butch Cassidy (1866-1908) e Sundance Kid (1867-1908), deverá ser debitada na conta da mera invenção ou coincidência.
O Botafogo permaneceu invicto durante 52 jogos entre 1977 e 1978. Marca igualada pelo Flamengo posteriormente, mas jamais superada no Brasil. Zagallo e Danilo Alves comandaram a equipe neste período glorioso, que só foi interrompido pelo Grêmio em jogo realizado no Maracanã pelo Campeonato Brasileiro. Em pé vemos Zé Carlos, Beto, Osmar, Wecsley, Renê e Rodrigues Neto; agachados estão Cremílson, Mendonça, DÉ, Manfrini e Paulo César. A foto é do acervo da revista Manchete.
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